19.12.04

O Dia de Ouvir
por Silvio T Corrêa

Naquele dia, eu senti que acordei diferente. Não era nada mágico ou especial. Um dia como qualquer outro. Mas tinha algo diferente: eu não queria falar.

Tomei um banho e saí à rua. Fiz sinal para o primeiro ônibus que vinha chegando, que por ser domingo, não estava cheio. Sentei na janela e fiquei apreciando o movimento nas ruas que passávamos. Não percebi que alguém sentou ao meu lado e levei um susto quando ouvi: “Bom dia!”

Respondi ao cumprimento com um “Bom dia! Tudo bem?”. Foi o suficiente para aquele homem começar a falar. Contou sobre sua vida, sobre seu trabalho, sobre a família, as insatisfações, as aspirações. Realmente uma história de vida interessante, que me fez sair do lugar comum. De repente levantou-se, olhou para mim e disse, com um sorriso: “Obrigado amigo, por ter me ouvido!”.

Desci do ônibus e comecei a andar por aquela parte da cidade, que eu não conhecia. Uma cafeteria deslocou minha atenção e resolvi tomar um café expresso.

— Esse café está muito gostoso, ou sou eu que estou com muita vontade tomar um café?

— Para mim, está delicioso. — respondi.

A moça começou a contar que teve que sair apressada e não teve tempo de tomar um café. E desandou a falar!

Contou sobre as dúvidas para o exame vestibular, sobre a pressão dos pais para fazer advocacia, sobre o namorado, que ela ainda não havia decidido se era realmente namorado. Contou sobre o trabalho como recepcionista de uma clínica de massagens, frisando bem, que era de fato, uma clínica de massagens, e sobre as desconfianças das pessoas quanto a sua índole. Contou sobre a festa do dia anterior e da bronca que levou dos pais quando chegou na madrugada. Eu só fazia movimentar a cabeça.

Acabou o café, deu um sorriso jovial e me agradeceu, dizendo que estava indo para casa de amigos, estudar. Acabei me lembrando da época do vestibular, o que me fez sorrir e recordar uma série de acontecimentos.

Olhei o relógio e percebi que o estômago começou a reclamar. Com vontade de comer um bom peixe, fiz sinal para o táxi que vinha passando e disse para o motorista o nome do restaurante.

— Esse restaurante é uma maravilha! Tem um delicioso filé de badejo com molho de alcaparras e arroz branco! — disse o motorista.

— Sim, eu conheço, mas há muito que não vou lá.

— Estive lá na semana passada e ...

Comecei a pensar que alguma coisa estava acontecendo. O motorista do táxi desencadeou a falar. Contou desde a época que veio de Portugal, ainda menino, até os dias atuais. Falou mesmo sobre o seu desejo de ter um táxi próprio e poder parar de trabalhar para os outros, pois já não agüentava mais o batente de quinze ou dezesseis horas por dia. Parou na porta do restaurante e me contou. “Normalmente é o freguês que desabafa comigo. Obrigado por eu poder desabafar um pouco!”

Entrei no restaurante e escolhi a mesa mais escondida que havia. Ninguém sentou para conversar e consegui almoçar tranqüilamente. Entretanto, os pensamentos fervilhavam!

Percebi como as pessoas têm necessidade de serem ouvidas. Apenas ouvidas. Elas não querem opiniões, não querem conselhos, só querem ouvidos que as ouçam. Ouvidos que as ouçam com atenção, com interesse.

Elas não querem desabafar e ouvir: “E eu! Você não sabe como é que estou!”, ou “Pois dê graças a Deus! A minha situação ...”, ou então, “Mas também, você procurou.”.

A leveza da consciência de ter auxiliado, um pouquinho, algumas pessoas, foi o suficiente para brotar muita alegria. Entender que precisamos, algumas vezes, nos calar para que outros possam falar, me fez perceber uma nova dimensão no relacionamento.

Hoje, não preciso mais acordar me sentindo diferente. De vez em quando, acordo de manhã e elejo: “Hoje é dia de Ouvir”

14.12.04

No Happy Hour Café com Leite...
por Silvio T Corrêa

Essa vai ser uma seção de onde sairão as histórias, tiradas das mesas onde acontece o Happy Hour Café com Leite.
É verdade que o leite, pode ser o de onça; o café, acompanhado de conhaque ou uísque, ou tomado puro, como saideira, depois de algumas cervejas. Fica tudo por conta, e risco, do freguês.
Então, nessa semana que acabou, estava um clima de Espírito de Natal, por causa da seguinte história:

Pois é amigos, no Happy Hour Café com Leite dessa semana, encontrei o Pedro Miguel, que já não via há duas semanas. De longe, vi Pedro sentado na última mesa, cabisbaixo, com sua xícara de capuccino, totalmente absorvido pelos pensamentos.

— Oi Pedro! Que é que há?

— Senta! Senta aí! Estou muito pensativo!

— Estou vendo! É por causa do Natal?

— Quase, quase isso! Vou te contar!

“Eu estava vindo pela avenida, pensando na vida como dizem, quando ouvi o choro de um homem. Não tinha mais do que 40 anos e não estava maltrapilho, mas também não parecia ser alguém de posses.”

— O que está havendo amigo? Que choro é esse em uma noite estrelada como a de hoje?

— É um choro de alegria, de felicidade! É um choro de amor, de reconhecimento, de agradecimento!

— Conta pra mim homem! Que alegria é essa que te faz chorar?

— Hoje, meu amigo, acordei com uma tristeza muito grande. Um nó apertado no coração. O mundo parecia ruir!

— É, eu sei como é isso!

— Saí então para espairecer. Peguei um ônibus circular e fui olhando as pessoas nas ruas. Quanto mais eu olhava mais ficava apaixonado pela vida, e aquele nó, tão apertado, aos poucos começou a afrouxar.

— O que aconteceu? O que você viu?

— Aos poucos fui percebendo que a tristeza que às vezes sentimos, não é para nos sentirmos tristes, mas para entendermos que a alegria está em todo lugar e que ela está sempre ao nosso alcance.

A mulher, que no sinal de trânsito, dá a mão a uma senhora idosa para atravessar a rua, está abrindo as portas do coração para que a alegria possa preencher seu peito.

O homem, que apenas para pra escutar um pobre mendigo contar suas mazelas, está mostrando ao irmão, que ele não está sozinho. Esse homem está angariando créditos para sua vida.

O senhor, bem vestido, que está enchendo sua limusine de brinquedos, para tornar o Natal de crianças órfãs, um pouco menos doído, usa o dinheiro para sua prosperidade e a do próximo.

Aquele que, na sua porta, além de atender o pedinte com um pedaço de pão, dispõe dos seus olhos, boca e ouvidos para atender-lhe os anseios da alma, consegue alimentar o corpo e o espírito do pobre ser.

O motorista do ônibus, que pacientemente, aguarda a idosa mulher subir no veículo, está demonstrando seu amor ao próximo.

— Sim! Muito bacana! Mas e daí!

— Daí, meu amigo, se a tristeza invade seu peito, doe um pouco de si para que a alegria invada seu coração. Não aguarde o Natal para amar o seu próximo, pois o amor é atitude urgente, não pode ter data marcada. Não espere o Espírito Natalino, crie você mesmo o Espírito de Natal a cada dia, compreendendo e auxiliando aquele que está ao seu lado.

E por favor deixe, permita que a alegria invada você, não criando empecilhos e fantasmas, que tantas vezes construímos do nada.

— Entendi amigo! Você tem razão! A tristeza, que muitas vezes sentimos, tem a semente no nosso interior e, portanto, só cabe a nós desfazê-la. Obrigado! Um bom Natal para você!

— E é por isso que estou tão pensativo! As soluções são tão claras, os caminhos escancarados e só a nós, cabe escolher o que queremos. O Espírito de Natal nos ajuda a enxergar isso, mas precisamos exercer esse direito o ano todo.

— É Pedro! Você tem motivo para estar pensativo, mas também tem motivo para comemorar. Zeca, traz um expresso!

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6.12.04

Wally busca a missão.
por Silvio T Corrêa

Pois é! Wally Toledo anda com um problema muito sério! Definir a sua missão, a causa por qual ele quer lutar. Parece tão fácil! É como se todos tivessem recebido um bilhetinho escrito: “Sua missão é ....”, menos Wally. [ leia + ]