O Dia de Ouvir
por Silvio T Corrêa
Naquele dia, eu senti que acordei diferente. Não era nada mágico ou especial. Um dia como qualquer outro. Mas tinha algo diferente: eu não queria falar.
Tomei um banho e saí à rua. Fiz sinal para o primeiro ônibus que vinha chegando, que por ser domingo, não estava cheio. Sentei na janela e fiquei apreciando o movimento nas ruas que passávamos. Não percebi que alguém sentou ao meu lado e levei um susto quando ouvi: “Bom dia!”
Respondi ao cumprimento com um “Bom dia! Tudo bem?”. Foi o suficiente para aquele homem começar a falar. Contou sobre sua vida, sobre seu trabalho, sobre a família, as insatisfações, as aspirações. Realmente uma história de vida interessante, que me fez sair do lugar comum. De repente levantou-se, olhou para mim e disse, com um sorriso: “Obrigado amigo, por ter me ouvido!”.
Desci do ônibus e comecei a andar por aquela parte da cidade, que eu não conhecia. Uma cafeteria deslocou minha atenção e resolvi tomar um café expresso.
— Esse café está muito gostoso, ou sou eu que estou com muita vontade tomar um café?
— Para mim, está delicioso. — respondi.
A moça começou a contar que teve que sair apressada e não teve tempo de tomar um café. E desandou a falar!
Contou sobre as dúvidas para o exame vestibular, sobre a pressão dos pais para fazer advocacia, sobre o namorado, que ela ainda não havia decidido se era realmente namorado. Contou sobre o trabalho como recepcionista de uma clínica de massagens, frisando bem, que era de fato, uma clínica de massagens, e sobre as desconfianças das pessoas quanto a sua índole. Contou sobre a festa do dia anterior e da bronca que levou dos pais quando chegou na madrugada. Eu só fazia movimentar a cabeça.
Acabou o café, deu um sorriso jovial e me agradeceu, dizendo que estava indo para casa de amigos, estudar. Acabei me lembrando da época do vestibular, o que me fez sorrir e recordar uma série de acontecimentos.
Olhei o relógio e percebi que o estômago começou a reclamar. Com vontade de comer um bom peixe, fiz sinal para o táxi que vinha passando e disse para o motorista o nome do restaurante.
— Esse restaurante é uma maravilha! Tem um delicioso filé de badejo com molho de alcaparras e arroz branco! — disse o motorista.
— Sim, eu conheço, mas há muito que não vou lá.
— Estive lá na semana passada e ...
Comecei a pensar que alguma coisa estava acontecendo. O motorista do táxi desencadeou a falar. Contou desde a época que veio de Portugal, ainda menino, até os dias atuais. Falou mesmo sobre o seu desejo de ter um táxi próprio e poder parar de trabalhar para os outros, pois já não agüentava mais o batente de quinze ou dezesseis horas por dia. Parou na porta do restaurante e me contou. “Normalmente é o freguês que desabafa comigo. Obrigado por eu poder desabafar um pouco!”
Entrei no restaurante e escolhi a mesa mais escondida que havia. Ninguém sentou para conversar e consegui almoçar tranqüilamente. Entretanto, os pensamentos fervilhavam!
Percebi como as pessoas têm necessidade de serem ouvidas. Apenas ouvidas. Elas não querem opiniões, não querem conselhos, só querem ouvidos que as ouçam. Ouvidos que as ouçam com atenção, com interesse.
Elas não querem desabafar e ouvir: “E eu! Você não sabe como é que estou!”, ou “Pois dê graças a Deus! A minha situação ...”, ou então, “Mas também, você procurou.”.
A leveza da consciência de ter auxiliado, um pouquinho, algumas pessoas, foi o suficiente para brotar muita alegria. Entender que precisamos, algumas vezes, nos calar para que outros possam falar, me fez perceber uma nova dimensão no relacionamento.
Hoje, não preciso mais acordar me sentindo diferente. De vez em quando, acordo de manhã e elejo: “Hoje é dia de Ouvir”