20.1.05

Cês pensam que sou trouxa?
por Silvio T Corrêa

Saimon, batizado assim em homenagem a dupla Simon e Garfunkel — Garfunqueu, gêmeo de Saimon, desencarnou nas mãos da parteira — é do interior do Rio de Janeiro, e ontem, ligou para mim, desesperado!

— Alô?! É o Saimon, do Rio de Janeiro. Lembra de mim?

Como eu poderia esquecer! Saimon, roceiro, tendo freqüentado até o segundo ano do (atual) ensino fundamental, tinha idéias de deixar qualquer profissional boquiaberto. Autodidata convicto, Saimon aprendeu o que sabe, e sabe muito, pedindo aos moradores da cidade onde mora, livro, de qualquer tipo, que ele devorava, como um errante no deserto ao deparar-se com uma fonte d’água.

Três coleções, recebidas da prefeitura, eram muito importantes para Saimon: A Coleção de Matemática, que abordava até o terceiro ano científico, incluindo noções de derivada e integral (esse sistema é anterior a reforma do ensino); a Coleção de Português e Literatura; e a Coleção de Engenharia e Administração. Desse modo Saimon, ainda que com seu jeito roceiro, tinha um conhecimento muito grande.

— Oi Saimon! Claro que lembro de você! Como vai? Como vão todos?

— A saúde vai bem, mas o resto, não vai não senhor.

— Então me conta Saimon!

— Tão dizendo que o salário vai subir pra 300 reais e eu estou encafifado com isso!

— Por quê? Não é bom?

— Não é isso. Tenho lido algumas revistas que o patrão compra e não tenho gostado do que tenho lido.

— Explica melhor garoto!

— Tem uma revista que noticiou que o governo, em que eu votei, vai aumentar o salário dos deputados federais, de 12.800 para 19.100 reais por mês. São 49,22% de aumento, contra 25% no meu salário.

— É, eu entendo. Mas você tem que ver ...

— Não, eu não tenho que ver nada. O senhor quer ver. Escuta só: Cada deputado, por causa de um conchavo com o governo, vai poder contratar 25 funcionários, utilizando uma verba de 45.000 reais por mês, que era de 35.000 reais.

— Mas Saimon, eles precisam de funcionários pra ajudá-los.

— Ué! Não criaram o ProUni! Por que não criam o ProDeputa! Não precisarão mais contratar parentes, cachorros e periquitos. Vão poder contratar profissionais gabaritados.

— Que isso?! Calma Saimon!

— Programa de Assessoria de Deputados para Todos. Fico preocupado é que se o Itamaraty dispensou a fluência na língua inglesa para os candidatos do Instituto Rio Branco, que atuarão em Relações Exteriores, imagine o que o governo não vai dispensar para os candidatos a assessores de deputados, que participarão, se aprovados no concurso, de um banco de dados nacional, que suprirá o ProDeputa.

— Saimon, você está exagerando! Sempre foi assim! Mudar?

— Sim, mudar! Mas precisamos ser... como é que é ... uma palavra que está muito na moda usá-la ...

— Pragmáticos?

— Isso! Precisamos ser pragmáticos, agir, ao invés de ficar apenas reclamando.

— O que você vai fazer!

— Reclamar, falar, apontar o que acho errado, dizer que errei ao votar no PT. Dizer que ter sido revolucionário, ter sido preso, ter combatido a ditadura, ter sido metalúrgico, não ser formado, ter sido pobre, não confere a ninguém, certificado ou direitos de fazer o que bem entende; de se achar dono da verdade, de tentar manipular as pessoas, enganar as pessoas.

Dizer que dar cotas para negros, brancos, amarelos, vermelhos, rosas-choque; que estudou em colégio público, particular, católico, evangélico, presbiteriano; que é pobre, rico, muito pobre, paupérrimo, milionário; não resolve problema nenhum, porque temos ensino gratuito para todos. Precisa é melhorar essa porcaria de ensino que está aí. Temos tantos pensadores da educação e ninguém resolve o problema!!!!!

— Nunca vi você com tanta raiva, Saimon!

— Não é só raiva! É a desilusão, é a sensação de ter sido enganado, de entender, finalmente, que eles estão pensando: “Lá vai o Saimon, o roceiro bobo que acreditou em nós!”. É ver amigos meus, desempregados porque as empresas dizem que o governo aumentou os tributos. É ver um monte de gente reclamando para o espelho, mas sem colocar a boca no trombone. É ver as pessoas, reclamando na mesa do bar, mas ninguém sobe na mesa para gritar a plenos pulmões:

“Cês pensam que sou trouxa?”